sábado, abril 15, 2006

O anjo


Acordei em um lugar escuro. Lembro muito pouco de como fui parar ali. Só lembro de “ter visto duendes", puras alucinações em sentido, como um cachorro rosa gritando “Um dia as velas se apagam!”, mortes madrinhas, vacas lambidas azuis... Algo que tomei na noite anterior com certeza não me fez bem... “Fosse o que fosse já deve ter passado”, pensei eu. O quarto em que estava era palidamente iluminado pela luz de uma pequena janela no alto... Depois que meus olhos se acostumaram com a escuridão, tentei entender onde estava e passei a observar o quarto.
Foi então que o vi... Havia um anjo de asas negras encolhido junto à parede. Não entendi bem por quê um anjo de asas negras... Afinal, todos sabem que anjos possuem asas brancas. O fato é que ele estava ali, naquele canto, e tinha asas negras. E por mais que eu negasse, dissesse a mim mesmo que ele não existia e não quisesse vê-lo, ele estava ali. Tratei-o como uma outra alucinação qualquer, ou qualquer coisa sem importância do dia-a-dia, já que se anjos “normais” não existem, de asas negras então...
Foi então que ele levantou o rosto. Carregava uma expressão de tanto ódio, tão puro ódio, que teria feito flores murchar apenas com o olhar. Senti um enregelar na espinha, e os membros paralisados... Sabia que não era real, mas era algo tão ameaçador, tão amedrontador que fiz a única coisa que podia fazer... Gritei. Senti o som de minha voz ecoar nas paredes, e tal ressôo soou como um berro de uma alma atirada aos penhascos infernais... Embora eu ainda tivesse a certeza de que estava vivo.
Foi neste momento que ele me encarou, com aquela expressão odiosa... Duvidei de que estava vivo...Minto. Desejei estar morto... Pior, tive a certeza de que fora atirado com vida ao inferno. E ele continuou a me encarar... E eu me encolhi no canto oposto. Medo. Tal palavra de quatro letras nunca teve tanto significado para mim naquele momento, embora jamais saiba como definir o que se passou... Durou pouco mais que um segundo na eternidade. Eu sabia que era uma alucinação. Tinha que ser uma alucinação! Tentei em vão me distrair com qualquer coisa, a de FORMA ALGUMA ENCARÁ-LO... Mas por mais que tentasse, mais sentia aquele olhar odioso penetrando nas profundezas de minha mente...como se eu fosse a única razão de tal cólera tenebrosa, como se eu fosse a pessoa mais odiada do universo...
E eu o odiei por isto. Encarei-o. Encarei-o com a mesma expressão encolerizada, com a mesma repulsa, com a mesma face intimidadora... Mas só foi neste instante em que vi o seu rosto, em que olhei-o nos olhos...o anjo estava chorando. Ele estava chorando desde o início, e tal rosto encolerizado era justamente pela minha indiferença aos seus ...
—Parece que ele está mais calmo agora— disse uma voz.
—Vamos tirá-lo daí e levá-lo para uma cela comum—disse outra voz.
—Sim, mas vamos dar-lhe mais uma dose de calmante, só pra garantir. —respondeu a primeira voz.
Uma porta se abriu e a luz externa iluminou o quarto. Era uma cela acolchoada, usada para colocar loucos violentos ou agitados. Fui arrastado pela camisa-de-força (daí minha paralisia...) que estava vestindo por dois enfermeiros. (“Viu o jogo do Fruzão ontem?” “Pô, mó pênalti roubado no finalzinho” comentavam os enfermeiros). A cela completamente estava vazia, com exceção uma única pena negra. “Aos meus inimigos, àqueles que tanto odeio sequer meu ódio, somente minha indiferença.” Pensava eu, antes de adormecer sob efeito do calmante.

1 Comentários:

Blogger André Souza disse...

"Ame, Odeie, faça o que fizer, jamais negue o direito a existência...Jamais seja indiferente

seg. mai. 01, 08:14:00 PM  

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