domingo, maio 14, 2006

Escapismo


Esta historinha começou a ser escrita momentos antes de uma palestra corporativa. Já conhecendo previamente o assunto (na verdade “como” o assunto seria abordado, o que faz uma grande diferença quanto prestar ou não a atenção em uma reunião...) e não querendo simplesmente sentar no fundão e carimbar o passaporte para o mundo dos sonhos, escrevi esta história para “escapar” da reunião, sem constranger o palestrante. Começou assim:

“Um cachorro andando pela rua encontra uma peça de roupa suja que não foi lavada em casa...” Taí um bom começo para uma história escapista, mas vamos melhorar mais um pouco: Imaginemos que tanto o cachorro quanto a roupa falam, só que o cão “ladra” em alemão e que a roupa, talvez por culpa da moda, talvez por causa de quem a usava, “fedesse” em francês.
Imaginemos também que o cão seria um pastor alemão, cujo dono era um diplomata e por um motivo qualquer estava solto na rua, que havia um gato siamês suíço na cena, “miante fluente” em francês e em alemão (pelo menos era o que o bichano alegava...) e gentilmente se portou como intérprete, apesar dos protestos do cachorro. Acho que, depois destas ressalvas, podemos continuar.
Continuando: “O cachorro encontra a peça de roupa suja. A roupa estava tão suja e fétida que qualquer ser humano normal sentiria o mal-cheiro dela a 100 metros de distância. Logo, podemos imaginar que tipo de impropérios o cão soltou ao distraidamente esbarrar o nariz no trapo sujo. A roupa, é claro, se sentiu ofendida e “gentilmente” respondeu algo parecido (era uma roupa muito boca-suja), embora não tenha entendido exatamente o que o cachorro falou (é de senso comum que não é necessário saber alemão para entender um xingamento em alemão, mesmo que tenha sido dito na realidade um elogio. Já em francês, é uma tarefa um tanto complicada. Quem já ouviu bandas de heavy-metal ou hip-hop francês e coisas do gênero sabe o quanto fica estranha a “suposta” agressividade... ô lingüinha fresca). Obviamente, o cachorro não entendeu nada do que a roupa falou e ficou com cara de ponto de interrogação. Nisto, um gato que acompanhava a cena, por acaso “dono” de um embaixador vizinho ao dono do cachorro, resolveu entrar em cena. Não sei por que cargas d’água o gato entrou na história (talvez para tirar uma com o cão, sei lá), mas graças a ele a história pôde continuar sem que o cachorro continuasse com cara de tacho nem resolvesse estraçalhar a roupa”.
(Pausa para o coffee-break). É importante fazer esta pausa, antes de continuarmos o escapismo e a história.
Por que é importante esta pausa? Bom, como este texto começou a ser escrito durante uma palestra, reunião, dinâmica de grupo, o diabo que for, e estes sempre têm uma pausa (como todos os suplícios da vida, sempre é feita uma pausa para que o “torturado” não se acostume com o tormento e torne a “tortura” ineficaz), achei interessante que este texto escapista também fizesse uma pausa.
Voltando à história:
“O gato traduziu literalmente o que a roupa disse para o cachorro (na verdade, a roupa só disse um “O mesmo de você!” atravessado, mas alguém aqui acha que o gato ia perder a oportunidade de sacanear o cachorro? Bom, não vou dizer o que o gato realmente disse por ser impróprio para o horário, mas posso garantir que ele traduziu perfeitamente o que a roupa quis dizer...). O cachorro pensou em estraçalhar o gato, mas este foi mais rápido, apresentou os documentos e o lembrou que era membro de corpo consular e que se algo acontecesse com ele, o cachorro teria sérios problemas. Um grupo de ratos que passava por ali resolveu fazer platéia para assistir a briga, embora nenhum deles entendesse o que o cão, a roupa e o gato diziam. O cão respirou fundo (praguejou mais uma vez contra a roupa), tentando se acalmar. A roupa respondeu novamente o cachorro (o gato traduziu do jeito dele), os ratos começaram a atiçar o cachorro (embora este não entendesse o que eles diziam) e a coisa foi ficando cada vez mais feia”.
“Nisto, apareceu um pato filósofo que, ao ver a multidão, resolveu tentar acabar com a briga. O pato fez o mais formidável discurso pela paz de todos os tempos, capaz de levar às lágrimas o próprio Diabo. Uma pena que nem o Diabo, nem mesmo os ratos, o gato, o cão e a roupa entendiam esperanto”.
“Um corvo americano que voava por ali resolveu parar e assistir a discussão. É um mistério (talvez não tão misterioso assim) o que passou na cabeça do corvo, só se sabe que ele saiu murmurando alguns números e com uma calculadora financeira debaixo do braço. Seguiu ele uma pomba inglesa, depois de “ter feito caquinha” em cima do pato. Talvez fosse um caso de amor antigo, quem sabe”?
O fim da história foi seguinte:
O cão sacudiu e rasgou a roupa, e, em seguida, deitou em cima. A pomba se casou o corvo, o gato se mudou para um cofre suíço junto com os dólares que o corvo ganhou com a briga (parece que ele organizou apostas e cobrou ingresso) e os ratos voltaram aos seus afazeres, tendo que trabalhar dobrado para pagar o que deviam para o corvo.
“E o pato? Bom, o pato assinou um contrato com o corvo para escrever um livro sobre a paz, que seria traduzido para o inglês por alguma anta letrada. No fim, o livro ficou muito diferente do original, mas foi um sucesso de vendas. Como o corvo não pagou os direitos autorais do pato e este não tendo dinheiro para pagar dívidas, foi fazer um “bico” em um restaurante. Acabou servido com laranja”.
Surpreso com o final? Esta foi uma simples história de um cão que encontra um trapo na rua, o sacode e deita por cima. Nada mais. Podemos concluir que a palestra foi um sucesso, com todos os ouvintes babando uns nos ombros dos outros e um doido varrido escrevendo garranchos sobre um cão que encontra uma roupa, fazendo com que o palestrante pensasse que pelo menos alguém prestou atenção e fez anotações. E tem gente que vai achar este tema ótimo para dinâmicas de grupo (não!!!).

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